do Reinaldo Azevedo | VEJA.com de
Um pouco de racionalidade, um pouquinho só, começa a surgir na imprensa brasileira ao tratar da questão hondurenha. Nada ainda adequado ao que, de fato, ocorre naquele país e ao significado do conflito político lá deflagrado. No Estadão deste domingo (ver abaixo), um texto dá conta do óbvio: a esmagadora maioria da população quer Zelaya longe de Honduras e apóia o governo de Roberto Micheletti. Na Folha, outra reportagem informa que o Departamento de Estado dos EUA ficou realmente chateado com a pantomima daquele senhor. Noticia-se de maneira um pouco mais clara que o que se chama “golpe” foi uma resposta às transgressões à Constituição cometidas pelo ex-presidente.
Zelaya, por sua vez, segue o seu roteiro patético. Agora decidiu “acampar” na fronteira com a Nicarágua (do lado nicaragüense), onde, diz ele, espera receber seus simpatizantes, que o conduziriam de volta ao país. Anunciou que ficaria lá até depois de amanhã. Mas o jornal El Heraldo.hn informa que ele teria voltado ao hotel. Vai ver passará as noites num quarto com cama, comida, roupa lavada e chuveiro quente. De dia, quer brincar de líder revolucionário. O lado bufão desse boneco de Chávez já começa a constranger seus apoiadores. É um criador de casos. Agora diz que espera se encontrar com sua família, que gostaria de ir ao seu encontro. O governo de Honduras ofereceu um avião para conduzi-la, mas eles querem cruzar a fronteira por terra, desrespeitando as medidas militares de proteção.
Embora tenha passado uma certa histeria com o “golpe”, as mentiras e distorções continuam. Abaixo, segue uma inacreditável notícia da AFP publicada no Estadão (por que o jornal precisa disso?). Acompanhem no vermelho-e-azul. O título da pérola: “Golpistas ignoram pressão externa”. Subítulo (que a gente chama “linha fina” no jargão da profissão): “Governo autoproclamado busca convencer críticos de que deposição não foi golpe, mas mero problema judicial”. Bem, não é golpe, como sabemos. E o governo não foi “autoproclamado” coisa nenhuma. Foi empossado pelo Congresso e pela Justiça. Sigamos:
Quase um mês depois do golpe, Honduras está longe da calmaria. Os responsáveis pela destituição do presidente Manuel Zelaya continuam no poder, aferrados a sua concepção própria de democracia. Ignorando a pressão política e financeira internacional, o governo de fato de Roberto Micheletti rejeita a solução negociada proposta pelo mediador Oscar Arias, presidente da Costa Rica.
“Concepção própria de democracia” uma ova! Todos os procedimentos legais próprios de um regime democrático estão em vigência em Honduras. “Concepção própria de democracia”, quem tem é Chávez. É Rafael Correa. É Evo Morales. É Daniel Ortega. E toda essa gente quer Zelaya de volta em nome da… democracia! É uma coisa espantosa!
É MENTIRA QUE O GOVERNO DE FATO REJEITA A PROPOSTA FINAL DE ARIAS. ELA SERIA AVALIADA PELOS DOIS OUTROS PODERES (JUDICIÁRIO E LEGISLATIVO). MAS ZELAYA NÃO QUIS ESPERAR. FOI ELE QUEM DECLAROU AS NEGOCIAÇÕES ENCERRADAS, PROTAGONIZOU A PANTOMIMA DO RETORNO E ESTÁ AMEAÇANDO O PAÍS COM GUERRA CIVIL. ATÉ O BANANA JOSÉ MIGUEL INSULZA, DA OEA, O CENSUROU POR ISSO. HILLARY CLINTON, QUE TINHA UM ENCONTRO MARCADO COM ELE, CLASSIFICOU A INICIATIVA DE “TEMERÁRIA”.
Essa solução passa pela restituição de Zelaya - como pede em uníssono a comunidade internacional. Em um país com um triste recorde de 125 golpes de Estado nos primeiros 150 anos de independência, as novas autoridades estão empenhadas em transformar o que diversos países e organizações classificaram como um golpe de Estado em um mero problema legal, parte de um processo de “sucessão constitucional”.
Zelaya estava programando o 126º golpe. Faltaria ao redator da AFP, com a Constituição de Honduras na mão, demonstrar que os artigos que lá estão não foram cumpridos. Ele não faz isso porque não conseguiria. Ademais, o fato de uma maioria dizer alguma coisa não quer dizer que ela esteja necessariamente certa. A quantidade de gente que acredita numa coisa não faz a qualidade da crença.
A cúpula militar, o Poder Judiciário, o Congresso, os empresários, a Igreja Católica e boa parte dos meios de comunicação hondurenhos cerraram fileiras em torno de Micheletti, enquanto Zelaya é apoiado por movimentos sociais e sindicatos.
Se é assim, e dado que a Constituição foi aplicada — ou provem que não foi —, então o governo de Micheletti, que é legal, é também o que tem mais legitimidade porque com uma base social obviamente maior. Aliás, as manifestações de rua o provam. São milhares em favor do governo provisório contra alguns baderneiros violentos em apoio ao ex-presidente.
A analista Sarah Ganter, numa análise para a fundação alemã Friedrich Ebert, defende que o golpe foi impulsionado por uma “aliança das forças políticas, econômicas e meios de comunicação” que condenavam o giro à esquerda de Zelaya, após ele ter chegado ao poder, em 2006, pelo conservador Partido Liberal (PL).
Desde então, Zelaya, um empresário dos setores madeireiro e pecuarista, não só colocou Honduras na Aliança Bolivariana para as Américas (Alba) e aliou-se ao venezuelano Hugo Chávez como também enfrentou grupos econômicos do país com uma série de medidas.
Uma delas foi o aumento de 40% do salário mínimo para US$ 250 em meio à crise. O estopim, contudo, foram seus planos para convocar uma consulta popular para reformar a Constituição permitindo a reeleição presidencial. Tanto Micheletti como Zelaya pertencem ao PL, que vem se revezando com o Partido Nacional no poder.
Viram que homem corajoso? Fica parecendo que caiu porque era um “amigo do povo”. O próprio “povo” não pensava assim, já que pesquisas indicam que ele era aprovado por apenas 30% dos hondurenhos. A grita contra o reajuste do mínimo aconteceu porque ele tomou tal decisão em meio à crise mundial, sem ter crescimento econômico que suportasse a decisão. Mas não caiu por isso. Caiu porque transgrediu vários artigos da Constituição, seguindo, com efeito, a cartilha de Hugo Chávez.
Quase todos os deputados apoiaram a nomeação de Micheletti, que era o presidente do Congresso, para a presidência horas depois de Zelaya ser expulso do país. Dos 128 congressistas (62 do PL), só 15 se negaram a apoiar o golpe.
Certo! Que a Constituição foi seguida, isso já sabemos. E quem lê a Carta pode constatá-lo. Sigamos: quer dizer que temos um “golpe” apoiado pelo Congresso e pela Justiça? À diferença do modelo chavista, eles não foram nem “reformados”. Na Venezuela. o tiranete “criou” Legislativo e Judiciário novos só para servi-lo. Na semana retrasada, o Beiçola destituiu uma juíza porque ela tomou uma decisão que o desagradou. Essa é a democracia bolivariana, que Zelaya estava tentando construir em Honduras.
Micheletti é um falcão da política hondurenha e aprimorou por 30 anos a arte de costurar alianças, além de nomear muitos de seus simpatizantes para o Judiciário e outras instituições do país quando estava à frente do Congresso.
O objetivo do parágrafo é tentar demonstrar que houve uma grande conspiração da Dona Zelite para destituir Zelaya. Besteira! Ele caiu porque tentou fraudar a Constituição. Faço esse comentário porque quero que vocês leiam uma pequena peça que traz o sumo das distorções com que se vão construindo consensos até mundiais. Zelaya era um mau governante. Nas suas mãos, Honduras piorou em vez de melhor. Não se aproveitou minimamente do ciclo de crescimento mundial que estava em curso. É claro que não poderia ser deposto por isso. A deposição não decorreu da sua incompetência ou generosidade, mas dos crimes que cometeu.
Ah, sim, o Artigo 2º dos Princípios da agência AFP é este:
“A Agence France-Presse não pode, em nenhuma hipótese, se deixar influenciar por qualquer questão que possa comprometer a exatidão ou a objetividade da informação; ela não deverá, em circunstância alguma, ter sua produção controlada, de fato e de direito, por questões ideológicas, políticas ou econômicas”.
Avaliem se ela se deixou “influenciar” ou não.
Quanto a golpes, observo que Honduras é hoje um exemplo de resistência à sanha de ditadores que resolveram trocar os tanques pelas urnas. Não! Não se pode aceitar um golpe com tanques. Não! Não se pode aceitar um golpe com urnas.
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