Vejo lá e ponho aqui

sábado, 5 de setembro de 2009

A GUERRA SUJA ELEITORAL JÁ COMEÇOU

do Reinaldo Azevedo | VEJA.com de Reinaldo Azevedo

A guerra começou. Mas não é aquela que se viu em Heliópolis, em São Paulo. Começou a guerra eleitoral. Não menos suja.

Aconteceu uma tragédia no bairro de Heliópolis, Zona Sul de São Paulo. Uma troca de tiros entre guardas municipais de São Caetano, cidade que faz divisa com a favela, e assaltantes resultou na morte de Ana Cristina de Macedo, de 17 anos, que voltava da escola. Ela foi atingida por um tiro fatal no pescoço. Não se sabe se a bala partiu da arma dos bandidos ou dos guardas municipais. Um episódio trágico, que tem de ser severamente apurado, com a punição dos responsáveis. Mas ele não se inscreve, nem é preciso demonstrar, nos casos de violência policial com favelados ou pobres, como tenta fazer crer o subjornalismo a soldo. É justo que lideranças de Heliópolis cobrem a rigorosa apuração do caso e punição de culpados. Mas o que foi aquilo a que se assistiu no local quase 24 horas depois da morte de Ana Cristina?

Sob o pretexto de protestar contra a morte da garota, vândalos resolveram, literalmente, botar fogo na favela, incendiando ônibus e carros, ameaçando a segurança não dos policiais, mas dos próprios moradores da região. Saldo da ação: 13 veículos queimados, sendo 3 ônibus, 2 micro-ônibus, 4 carros particulares, 2 viaturas dos bombeiros e 2 da Polícia Militar. Vinte e uma pessoas foram presas. Agora vem o mais espantoso: ao longo do dia, panfletos foram distribuídos no local convocando para um "protesto". O prêmio para a participação seria uma cesta básica.

Antes, cumpre falar um tantinho daquela área para o leitor que não é de São Paulo. A genericamente conhecida como Favela de Heliópolis — hoje, a área é um bairro  — abriga 100 mil pessoas. Boa parte da região já não apresenta mais as características de uma favela propriamente dita: barracos improvisados que misturam madeira, papelão e plástico, com ligações clandestinas de luz, água etc. Ao contrário: as casas são de alvenaria, com serviços públicos devidamente regularizados, inclusive transporte coletivo (como se viu…) e um fortíssimo comércio local. Para quem gosta de fantasiar com essas coisas: o que chamam por aí de "desigualdade social" está também ali.  Já há uma forte classe média em Heliópolis. E há, claro, os muitos pobres. O aluguel na região pode variar de R$ 200 a R$ 1.000, e há casas à venda por até R$ 100 mil. A comunidade conta com uma rádio própria, legal, e tem recebido a atenção do poder público, com a construção de escolas, centros de lazer, postos de saúde etc. O bairro de Heliópolis já não se presta mais à curiosidade turística dos "amigos da pobreza". E se trata de uma região relativamente calma, a despeito dos muitos problemas que há por ali.

Pois bem. Heliópolis foi sacudida ontem NÃO por um protesto, mas por atos de vandalismo que mal disfarçavam a intenção de atrair a polícia e, como gostam de dizer certos delinqüentes, "a repressão". Os amigos de Franklin Martins da blogosfera já vociferavam ontem à noite: "Olhem como a Polícia do Serra e do PSDB trata os pobres". Não! Olhem como a Polícia — de qualquer governo decente — deve tratar os marginais, os bandidos, a canalha que se aproveita de uma tragédia para fazer proselitismo político.

O governo de São Paulo precisa ficar atento: há um esforço coordenado de alguns setores — com a colaboração do subjornalismo de sempre, mas também de fatias ditas respeitáveis da imprensa — para caracterizar a segurança pública do estado como ineficiente, quem sabe fora de controle. Seja cumprindo uma reintegração de posse de um terreno — a PM, nesse caso, obedece a uma ordem judicial; é obrigada a fazê-lo —, seja reprimindo os que põem em risco as próprias comunidades em nome das quais dizem protestar (como os incendiários de ontem), a polícia tem sido hostilizada, recebida com paus, pedras, incêndios… Que os 21 detidos desta madrugada passem por um rigoroso escrutínio: estão a serviço dos que querem fabricar "mártires do povo".

E setores da imprensa, por ingenuidade, ideologia ou burrice mesmo, fazem alegremente o trabalho sujo. Ontem, a desordem obviamente organizada e patrocinada era chamada de "protesto". Dizia-se que a polícia estava "ocupando" a favela, como se aquele fosse um território estrangeiro.

Há pelo menos mais 23 estados brasileiros em que há mais mortos po 100  mil habitants do que São Paulo. No entanto, jornalistas que se querem responsáveis vão à rádio anunciar uma segurança pública fora de controle, o que é uma piada. A guerra civil não-declarada mata no Brasil uma média de 50 mil pessoas por ano — 26,31 pessoas por 100 mil habitantes (população estimada de 190 milhões). Se a média nacional fosse a de São Paulo, os mortos seriam 20.444 pessoas — 29.556 pessoas deixariam de morrer por ano.

O esforço de criar factóides de alcance eleitoral tem várias frentes. E noto para encerrar: enquanto houver uma emissora de televisão transmitindo ao vivo, com grande estardalhaço, os atos de vandalismo, naquele estilo da reportagem resfolegante, chamando atos criminosos dos bandidos de "protesto de moradores", os moradores  de verdade continuarão acuados em suas casas, e os bandidos continuarão a botar fogo no circo. Ora, eles se vêem na TV, como se protagonizassem um filme.

O problema é que certa prática erroneamente chamada de "jornalismo" é só extensão daquele banditismo que incendeia ônibus e viaturas da PM e dos bombeiros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar este blog