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quinta-feira, 5 de abril de 2012

Editorial: Eles querem mesmo revogar a Lei da Anistia?

Editorial: Eles querem mesmo revogar a Lei da Anistia?:
Na semana passada houve uma discussão interessante aqui no Implicante sobre os diversos movimentos que buscam punir pessoas identificadas com o governo durante o regime militar (1964-1985). Alguns comentaristas questionaram o texto sobre o apoio de Paulo Henrique Amorim a um grupo que pratica vandalismo, qualificando-nos de “amigos de torturadores”, entre outros gracejos. Neste editorial, vamos abordar os argumentos surgidos nos comentários defendendo a revisão da Lei da Anistia para esclarecer por que somos contra esses movimentos.

O maniqueísmo “direita ruim, esquerda boa”

Em primeiro lugar, é preciso deixar claro: boa parte dos que combateram a ditadura militar e praticamente todos os que “pegaram em armas” não queriam a democracia. Grupos como a VAR-Palmares, ao qual a presidente Dilma pertenceu, pregavam a implantação de uma sociedade comunista nos moldes de Cuba e União Soviética.
O mesmo acontece agora com os que buscam rever a Lei da Anistia, a exemplo do grupo apoiado por Paulo Henrique Amorim. Embora muitos dos manifestantes tenham nascido ou crescido depois do fim do regime militar, crêem em uma ideologia obsoleta desde a queda do muro de Berlim, influenciados por partidos de extrema-esquerda e organizações como MST e Via Campesina. Para os que pretendem implantar o socialismo pouco importa quem está no poder. Se nas décadas de 60 e 70 eles lutavam contra a ditadura, hoje lutam contra a democracia.
Curiosamente, boa parte dos radicais daquela época voltaram à vida pública depois da redemocratização e passaram a conviver muito bem com o capitalismo. Um exemplo é o bem-sucedido consultor de empresas privadas e cardeal petista inelegível – cassado em pleno regime democrático – José Dirceu. Enquanto uns se arrependem dos atos do passado e outros se orgulham, uma coisa é certa: hoje nenhum deles é eleito para cargo importante defendendo o que defendia em 1968. A própria Dilma, apesar de se vangloriar de ter lutado contra a ditadura, mentiu no discurso de posse afirmando que seu grupo buscava a democracia.
No total, 119 pessoas foram mortas por grupos de esquerda no Brasil durante o regime militar (confiram aqui a lista completa). Um exemplo emblemático de como são tratadas as vítimas dos dois lados é o caso de Mario Kozel Filho, morto em um atentado a bomba no quartel onde cumpria o serviço militar obrigatório em 1968. Seus pais recebiam uma pensão de R$ 300 até 2005, quando foi aumentada para R$ 1140. Um dos militantes que participou do atentado, Diógenes Oliveira, recebeu em 2008 indenização de R$ 400 mil e pensão de R$ 1600 do governo brasileiro como “vítima da ditadura”. Diógenes também participou do atentado que arrancou a perna de Orlando Lovecchio, estudante que passava em frente ao consulado americano em São Paulo. Lovecchio recebe R$ 571 do INSS.

A Lei da Anistia foi criada pelo governo militar para garantir a impunidade

Essa foi uma das maiores bobagens ditas nos comentários do texto sobre o entusiasmo de PHA com os pichadores. Se aprendeu isso em aula, nosso assíduo comentarista alexandre deveria processar a escola e o professor. Quem clamava por anistia “ampla, geral e irrestrita” eram movimentos encabeçados por familiares e amigos de presos políticos e exilados, como forma de obter do governo uma garantia de que não seriam perseguidos e processados. Alguns deles esperaram a esquerda chegar ao poder, 20 anos depois, para dizer que acharam a anistia “ampla demais” porque contemplava também os membros do governo, opinião que provavelmente seria tratada como piada de mau gosto em 1979.

A Lei da Anistia não contempla “crimes de sangue”

Outro comentarista frequente, o João, foi buscar o § 2º do art. 1º da lei:
Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.
Pois é, João. Foram condenados. Anteriormente à data em que a lei foi promulgada.  A lei foi feita justamente para garantir que ninguém mais seria condenado por crimes considerados políticos naquele período. Esse parágrafo assegurava apenas que quem estava cumprindo pena por aqueles crimes (terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal), mesmo sob alegada motivação política, não seria solto imediatamente.
O problema é que, naquele tempo, a “política” era, justamente, assalto, sequestro, terrorismo. Num método reproduzido até hoje por grupelhos radicais (vide casos como o de Battisti ou da farândula da USP), teimam em tentar misturar conceitos de crimes comuns com motivação política com crimes políticos (crimes de opinião, que não são crimes numa democracia). Muitas vezes, pela própria dificuldade da época em se julgar casos de organizações secretas paramilitares, só se conseguia prender um terrorista pela acusação de “subversão”.
Outro ponto interessante da anistia foi o período compreendido pela lei, “entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979”. Como os militares só tomaram o poder em 31 de março de 1964, na prática concedeu-se anistia exclusivamente a crimes cometidos por militantes esquerdistas entre setembro de 1961 e março de 1964.

A tortura é um crime contra a humanidade, portanto imprescritível

Alguns dos comentários lembraram que a Constituição considera a tortura crime hediondo, defendendo que isto tornaria inválida a anistia a quem a praticou. Em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil entrou com ação no Supremo Tribunal Federal questionando a aplicação da Lei da Anistia aos torturadores do regime militar, com base justamente na tipificação da tortura como crime hediondo pela Constituição de 1988. A ação foi julgada improcedente por 7 votos a 2.
Para revogar a Lei da Anistia e processar os torturadores, um princípio básico da legalidade, expresso no Art. 5, incl. XL da Constituição Federal,  teria de ser violado:
XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
Outro problema é a questão da faixa etária: ao contrário dos militantes de esquerda, em sua maioria jovens na época, os torturadores e agentes do regime militar encontram-se em idade avançada e já não poderiam ser presos segundo as leis que temos hoje.
Mas quem explodiu bombas, matou e aterrorizou civis durante a ditadura leva ao menos uma vantagem no aspecto legal: passados 10 anos dos atentados de 11/09/2001 e próximo de sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada, o Brasil ainda não tem uma lei antiterrorismo. O motivo? Isso enquadraria também as ações de grupos aliados ao governo petista, como o MST e a Via Campesina…
A violência dos dois lados foi perdoada pela Lei da Anistia – e se um deles ficou famoso pela tortura e foi praticamente banido da vida pública no Brasil pelos eleitores, com justiça, por que o passado terrorista do outro lado não pode ser sequer lembrado sem parecer um radical de direita extremista maluco da linha dura militar? Terrorismo também é um crime contra a humanidade.

Brasil pode ser condenado pela OEA, ONU, FIFA etc.

Na seara do Direito Internacional, outro velho conhecido do site, o glorioso francisco ramos, lembrou que o Brasil foi notificado pela Comissão de Direitos Humanos da OEA por não ter investigado o assassinato do jornalista Vladimir Herzog em 1975. O caso pode gerar uma condenação ao país na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Já o João apontou que o Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Terceira Convenção de Genebra.
É claro que os crimes “contra a humanidade” são definidos por órgãos internacionais como a ONU, e o Brasil realmente é signatário dos tratados e participante ativo destas entidades. No entanto, essas condenações não geram nenhum efeito prático, uma vez que a ONU e a OEA têm tanta jurisdição ou competência para arbitrar assuntos internos de qualquer país quanto a Fifa e a Conmebol. Trata-se mais de medidas simbólicas que buscam fazer pressão por legislações mais rigorosas nos países contra tais atos.
Também é bom ressaltar que ONU e OEA nunca fariam pressão por um Direito Penal mais duro: as “Comissões de Direitos Humanos” destes órgãos apenas enxergam a violência promovida pelo Estado, nunca por indivíduos. Assim, um PM da linha-dura da época fazendo “tortura psicológica” (como alegado por muitos anistiados) pratica um crime contra a humanidade. Assassinatos como o do capitão do exército americano Charles Rodney Chandler, executado na frente da mulher e dos filhos, são crimes comuns, prescritíveis e ainda garantem uma boa pensão – além de vagas em grupos de estudos marxistas em grandes universidades brasileiras.

Os “terroristas” sofreram nas mãos do Estado, os “torturadores” ficaram impunes

Outro argumento usado por mais de um leitor para justificar a revisão da Lei da Anistia com objetivo de punir apenas os agentes do regime. O grande alexandre, indignado, quer saber:
A luta armada terminou no final da década de 70. Foi totalmente dizimada pelo governo. Só se salvou quem conseguiu fugir do país. Esses integrantes foram presos e condenados. Uns foram mortos e outros exilados. Mas todos foram torturados. A Dilma já foi condenada pelo “código penal ” dos militares na época : a tortura. E o Cel Curió e o cel Ustra ? Quando vão responder pelos seus crimes. Na verdade, não houve anistia para a luta armada. Todos os integrantes foram torturados. Uns foram condenados à morte. Outros foram exilados. Ou seja, eles pegaram pelos erros. E os torturadores ?????
De fato, segundo as contas dos próprios esquerdistas, 424 pessoas são consideradas “mortos da ditadura” (e essa conta inclui quem morreu de arma na mão, como na guerrilha do Araguaia, e até mesmo 4 “justiçamentos”: militantes assassinados por outros militantes).  Com a Lei da Anistia, apesar de nenhuma punição individual ter sido aplicada pelos crimes com motivação política daquele período, o governo brasileiro se encarregou da reparação às vítimas do regime e seus familiares, na forma de polpudas indenizações e pensões vitalícias a mais de 20 mil pessoas. As “bolsas-ditadura” já custaram mais de R$ 4 bilhões aos cofres públicos.
Dilma, por exemplo, pediu auxílio em três estados diferentes. Recebe no total mais de R$ 70 mil por mês. Justo pela tortura que sofreu, um pouco embaraçoso para quem abandonou uma vida rica para se envolver no planejamento de ações terroristas, ainda mais levando em conta que as escolhas que fez no passado ajudaram a levá-la da condição de vítima à de chefe do Estado brasileiro. Caso mais estranho é o do ex-presidente Lula: preso de 19 de abril a 20 de maio pelo Dops (tornando-se presidente do PT 35 dias depois), ele recebe R$ 6 mil mensais de gorjeta do erário, além da pensão como ex-presidente. Não há registro de tortura – e é melhor nem falar do menino do MEP. Vários outros políticos importantes, jornalistas e artistas que ganharam fama e notoriedade por criticar o regime, mas pouco ou nada sofreram nas mãos da ditadura (e, principalmente, tiveram mais lucros do que prejuízos decorrentes da atuação no período), já foram agraciados.
Por sinal, é um erro de cálculo grotesco acreditar que a ditadura foi tão eficiente que conseguiu punir todos os terroristas envolvidos na luta armada. A afirmação parece ter sido extraída de uma das edições da revista Veja de 1970, editada por Mino Carta e Paulo Henrique Amorim. Carlos Lamarca, grande rival de Dilma, nunca foi preso. O Jeremias (João Marques de Aguiar), um dos cabeças da violentíssima VAR-Palmares, nunca foi preso. Hoje é professor universitário em Belo Horizonte. O mesmo aconteceu com Sônia Lopez, a Mariana – chegou a ser vereadora na França, pela pequena cidade de Villetaneuse. Hoje mora em Curitiba. Como assim, “todos foram torturados”? Não dá para acreditar que todos tenham sido torturados quando nem todos sequer foram presos.
Enfim, como disse o já saudoso Millôr Fernandes (que teve muitos negócios atrapalhados pelo regime militar e nunca pediu indenização), o que essas pessoas faziam não era ideologia – era investimento.

A abertura dos arquivos

Por fim, o Junior Rocha perguntou sobre a única iniciativa dentre as reivindicadas pelos movimentos pró-revogação da Lei da Anistia que é verdadeiramente necessária e possível dentro da legalidade. Nós somos a favor, mas o PT parece ser contra: após 9 anos no poder, os governos Lula e Dilma tiveram mais empenho em distribuir pensões e indenizações aos  “companheiros” do que em providenciar a abertura dos arquivos da ditadura. Isso poderia esclarecer as circunstâncias de assassinatos e ajudar a localizar os restos mortais das 133 pessoas ainda consideradas desaparecidas.
Há também uma grita recente sobre os arquivos da guerrilha do Araguaia. José Dirceu passou seus 2 primeiros anos à sombra do Executivo federal “ameaçando” a sua abertura. Bobagem. Os militares não têm medo da abertura – apenas não têm esse poder. Quem tem é, justamente, o Executivo federal.
A abertura dos arquivos deveria ser o primeiro passo para tentar definir responsabilidades individuais, caso o governo realmente estivesse interessado em levar adiante a idéia de “passar a limpo a história” e punir os torturadores. Por isso, desconfia-se que integrantes do atual governo teriam tanto a temer quanto alguns de seus algozes se reveladas as verdadeiras atuações de cada um. Ou até mais, uma vez que pretendem seguir na vida pública: é bem provável que diversos políticos governistas e aliados teriam de se penitenciar e dar explicações à sociedade sobre os atos do passado que costumam glorificar.
A Lei da Anistia teve um papel importante na transição relativamente tranquila que tivemos da ditadura à democracia. Os grupos que pressionam por punição aos torturadores 25 anos depois do fim do regime militar deveriam parar antes que alguém faça as contas e conclua que, apesar de atropelar as leis, a Constituição e até mesmo o bom-senso, isto não seria um mau negócio para o Brasil, caso boa parte daqueles R$ 4 bilhões fossem devolvidos.
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