Jovens se organizam e tentam criar legendas da ‘nova direita’:
SÃO PAULO - Há uma nova direita tentando se organizar eleitoralmente no país. O movimento é integrado majoritariamente por jovens, entre 20 e 30 anos, que não se identificam com os ideais da esquerda e tampouco se sentem representados pelos partidos já existentes. São três as legendas em formação: o Partido Federalista, os Libertários (Líber) e o Partido Novo. Em comum, eles defendem a redução de impostos e as privatizações. Acreditam que o Estado brasileiro é “grande, oneroso, ineficiente e paternalista” e que o quadro político foi tomado pela esquerda.
A nova direita divide fóruns, redes sociais e blogs, onde os simpatizantes trocam ideias, discutem seus pontos de vista e arregimentam novos seguidores:
— Nossa lista de discussão reúne conservadores religiosos, simpatizantes do monarquismo parlamentarista, nacionalistas e principalmente liberais — diz Marcelo Mota, moderador do grupo Cons (Conservadores) na internet.
Entusiasta da nova direita, Mota é integrante da Juventude do Democratas em Minas Gerais, mas diz que compreende a tentativa de criar outras legendas:
— O DEM tem receio de assumir um posicionamento liberal e fica refém do discurso das lideranças, que não querem ir contra o discurso da esquerda e da centro-esquerda. Um dos poucos a ir contra essa tendência é o Demóstenes (Demóstenes Torres, senador pelo DEM-GO). Por isso, é normal que se procure constituir novos partidos.
Entre as legendas da “nova direita”, a legenda que está há mais tempo na estrada é o Federalista.
— Estamos desde 1999 nessa busca pela oficialização — diz o presidente da legenda, o empresário Thomas Korontai, de Curitiba.
Além de liberais na economia, os federalistas têm como principal bandeira a descentralização administrativa.
— Brasília é irreal. Não faz sentido os estados e municípios produzirem a riqueza para que Brasília faça a divisão e aí voltem migalhas. Defendemos federações com poder de decisão — explica Korontai.
O partido, segundo ele, chegou a ter quase 100 mil assinaturas — são 500 mil necessárias para a legalização de uma legenda junto ao Superior Tribunal Eleitoral (TSE) —, mas a maioria delas foi perdida, por falta de estrutura.
— É um processo limitador esse que é imposto pelo TSE. Nós não somos políticos profissionais e não estamos ligados a estruturas burocráticas já existentes — justifica o empresário.
Mais adiantado na coleta de assinaturas está o Novo, partido com cara e alma de executivo. A legenda, que nasceu juridicamente em fevereiro, já tem cerca de 30 mil assinaturas registradas em cartório e outras 180 mil prontas para serem entregues.
— Contratamos empresas para abordar as pessoas na rua e explicar sobre a legenda — diz o presidente do partido, João Dionísio Amoedo, executivo do mercado financeiro, que mora no Rio de Janeiro, mas trabalha em São Paulo.
A maioria dos fundadores do Novo é de administrados e engenheiros. O termo “gestão eficiente” é uma máxima dentro da legenda.
— Queremos um modelo em que os cidadãos aceitem seus direitos e deveres. O estado precisa ser ágil e deixar as pessoas trabalharem. Não tem de ficar falando sobre como elas devem se comportar. Lei de costumes, como essa da palmada, é uma coisa sem sentido — explica Amoedo.
Ele diz que o Novo não segue os preceitos de qualquer partido existente, mas afirma que há “compatibilidade de ideias” com as legendas da centro-direita europeia.
Não há, porém, entre as três legendas, quem ganhe do Líber no quesito críticas ao tamanho do Estado. O presidente da legenda, o advogado Bernardo Santoro Machado, do Rio, resume assim as divisões internas do partido:
— Temos os minarquistas, que acreditam que o Estado deve ser mínimo e cuidar da segurança, do ordenamento jurídico e talvez alguma coisa de saúde, e os anarcoliberais, que consideram toda ação estatal um absurdo.
E a educação pública? Machado é enfático ao responder:
— Educação estatal é ruim e doutrinária. É muito mais fácil as pequenas comunidades ou grupos de famílias se organizarem do que um burocrata de Brasília ditar ordens do que deve ser ensinado.
Os libertários brasileiros seguem a cartilha do Partido Libertário americano, criado na década de 70, e que já teve o pré-candidato republicano à presidência dos EUA Ron Paul nas suas fileiras.
Machado afirma que o diferencial do grupo é levar o liberalismo para além da economia.
— Adotamos o princípio de não iniciar uma agressão contra alguém ou ir contra o direito à propriedade. Fora isso, não há por que regular a vida das pessoas. Isso vale para opção sexual, drogas, jogos, prostituição e armas de fogo. Quem quiser ter ou fazer que faça. O poder público não tem que se intrometer — diz o advogado, que lembra a única divisão interna do grupo: o aborto. — Aí não há consenso, porque há divergências sobre quando a vida começa, Há quem defenda que é um direito da mulher e quem diga que é agressão ao feto.
O Líber tem a média mais baixa de idade entre as três legendas — são raros os integrantes com mais de 40 anos. Mesmo assim, o partido tem quase nenhuma penetração no movimento estudantil:
— É dominada pela esquerda e pela extrema esquerda. É impossível vencer a barreira deles — diz Machado.
Embora esteja do lado ideológico oposto à esquerda, Machado argumenta que não há identificação do grupo com a ditadura militar ou com políticos alinhados ao perfil mais conservador, como o deputado Jair Bolsonaro:
— Ser contra a esquerda pode ser várias coisas. No Brasil, durante muito tempo, direita era carimbo de ditadura militar. Estamos completamente distante disso porque somos contra essa ideia de Estado forte. O próprio alistamento obrigatório é um sequestro do Estado.
‘Direita passou a ser palavrão’
A tentativa de criar partidos assumidamente de direita mostra que há um caminho alternativo à esquerda na formação dos jovens brasileiros que se interessam por política. É o que pensam o filósofo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Denis Rosenfield e o historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos Marco Antônio Villa.
— No Brasil, houve a associação da direita à ditadura militar. Então, até como reação a isso, o discurso da esquerda prevaleceu entre os jovens desde então — diz Rosenfield.
Villa tem opinião parecida:
— Depois da redemocratização, direita passou a ser um palavrão.
Para eles, os sucessivos governos do PT e do PSDB podem ter contribuído para a busca de alternativas ao pensamento mais centrado no intervencionismo estatal.
— Existe o anseio por um partido de direita moderno no Brasil. Uma legenda que defenda a livre iniciativa, a liberdade de escolha, o direito à propriedade. Mesmo o Democratas ficou no meio do caminho nesses pontos — avalia Denis Rosenfield.
O desafio das três legendas, diz o filósofo, é provar à sociedade que suas propostas melhoram, na prática, a vida do eleitor:
— Precisam mostrar para o brasileiro, acostumado a governos estatizantes e intervencionistas, que seus projetos podem aumentar o valor do salário e diminuir o preço das mercadorias. É preciso entrar no jogo real da política.
Para Villa, as novas legendas podem enriquecer o debate democrático se conseguirem mostrar diferenças em relação aos grupos conservadores que já detiveram o poder.
— A direita brasileira, diferente da europeia e da americana, adora um Estado grande. Veja o exemplo do presidente Ernesto Geisel, que criou centenas de estatais — ressalta.
O sociólogo Alberto Carlos Almeida, autor do livro “A cabeça do brasileiro”, tem visão diferente:
— A democracia permite que as pessoas se organizem em partidos para defender seus pontos de vista, e isso é legítimo e importante. Mas esse discurso tem poucas chances de ir para frente.
Para Almeida, a exaltação do livre mercado faz pouco sentido para a opinião pública brasileira.
— Somos um país enormemente desigual. É difícil defender uma posição conservadora com essa desigualdade. É um discurso radical de jovens de direita com pouca chance de crescer. São o PSTU da direita — ironiza.
* Esta reportagem foi publicada no GLOBO A MAIS (aplicativo para o Ipad)
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quinta-feira, 5 de abril de 2012
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