Editorial "Estadão" 14/01/10
Acuado pela ampla reação contrária ao Programa Nacional dos Direitos Humanos — criticado até por ministros —, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu recuar para evitar custos políticos maiores, mas procurou poupar a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, sua candidata à Presidência da República. Ela é, no entanto, pelo menos tão responsável quanto o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, pelo embaraço causado ao presidente. De certo modo, sua responsabilidade é maior, porque cabe à Casa Civil a avaliação final de qualquer projeto encaminhado ao chefe do governo.
Segundo informação daquela Pasta, só os aspectos legais do programa foram analisados. Isso equivale à confissão de uma falha. É função do gabinete civil não só a "verificação prévia da constitucionalidade e da legalidade dos atos presidenciais", mas também a "análise do mérito, da oportunidade e da compatibilidade das propostas, inclusive das matérias em tramitação no Congresso Nacional, com as diretrizes governamentais". Não é preciso pesquisar a legislação para descobrir esses dados. Tudo isso está nas páginas da Casa Civil, facilmente acessíveis pelo site do Palácio do Planalto.
Não tem sentido, em termos administrativos, lançar sobre o secretário Paulo Vannuchi toda a responsabilidade pela desastrosa publicação do decreto sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos. O secretário fez um péssimo trabalho em todos os sentidos — muito ruim como projeto para o País e politicamente custoso para o governo —, mas o texto foi submetido a uma instância intermediária, antes de chegar ao chefe de governo. O presidente alegou ter assinado sem ler. Não explicou se o fez por aversão à leitura, mas, de toda forma, deve ter confiado no trabalho de seus auxiliares. Se confiou, errou.
Com esse escorregão, a ministra Dilma Rousseff demonstrou de forma irrefutável seu despreparo para mais um cargo federal. Já havia mostrado sua inépcia ao chefiar o Ministério de Minas e Energia, onde sua gestão foi abaixo de inexpressiva. Chamada para a Casa Civil, foi desde o início poupada, pelo presidente, de toda a responsabilidade pela articulação política. Foi-lhe atribuída a gerência dos investimentos federais e, em 2007, o presidente Lula entregou-lhe a coordenação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mais que isso, ele a nomeou "mãe do PAC". Mais uma vez a ministra demonstrou sua inépcia gerencial, desmentindo novamente sua injustificável fama de executiva.
No ano passado — o de melhor desempenho na execução das obras —, o Tesouro desembolsou apenas 65% do valor previsto no Orçamento para o programa. Além disso, pouco mais de metade do total desembolsado correspondeu a restos a pagar. Mas o presidente Lula ainda não está saciado. Persistente, decidiu proporcionar à ministra Dilma Rousseff a oportunidade invejável de exibir sua inépcia no posto mais alto da administração nacional, a Presidência da República. Se Lula tiver sucesso, terá contribuído de forma notável para a revisão do Peter Principle, divulgado em 1969 pelo professor Lawrence Johnston Peter: "Numa hierarquia, todo funcionário tende a subir até seu nível de incompetência." Na formulação revista, ampliada e já comprovada em parte, a ascensão pode continuar por níveis de incompetência cada vez mais altos e mais perigosos para a organização — ou, neste caso, para o País.
Não se sabe se Lula conseguirá transferir para sua candidata prestígio suficiente para permitir sua eleição. Neste momento, ele está empenhado em transferir-lhe um de seus atributos mais invejáveis, semelhante à propriedade principal das panelas teflon. Graças a essa propriedade, nenhum escândalo grudou em sua figura e nenhum erro importante maculou sua imagem, pelo menos perante uma grande parcela dos cidadãos. Ao isentar a chefe da Casa Civil de responsabilidade pelo desastroso decreto, Lula procura transformá-la numa candidata igualmente imune a prejuízos de imagem. Na terça-feira, por exemplo, ele a conduziu ao primeiro grande evento eleitoral de 2010, em Brasília, perante uma plateia de prefeitos, governadores e parlamentares. A cerimônia teve até beija-mão, protagonizado pelo presidente do Congresso, senador José Sarney. Foram liberados na ocasião R$ 3 bilhões para prefeituras, destinados ao programa de habitação popular. Um grande investimento, sem dúvida — pelo menos na candidatura oficial.
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