“Interrogam-te (Ó Profeta) a respeito da bebida inebriante e do jogo de azar. Dize: ‘Em ambos há benefícios e malefícios para o homem; porém, os seus malefícios são maiores do que os seus benefícios’.” (Corão 2:219)
O consumo de álcool é proibido nos países islâmicos, até mesmo naquele que muito cretino ocidental confunde com uma democracia, o ditatorial Catar, por causa da rede de TV Al Jazeera, o verdadeiro combustível das revoltas árabes - e não o Facebook. Quando a Fifa anunciou que a Copa do Mundo de 2022 seria disputada no país, os bares de Doha explodiram em festa. Bares, entenda-se, onde se toma muito suco, chá de menta e se pode ficar meio trelelé, mas de tanto fumar tabaco aromatizado no narguilé. Uma pergunta: a Fifa pretende mudar o Corão para que o álcool deixe de ser, como disse o Profeta, “a mãe de todos os males”? E não importa se pouco ou muito, já que, “se uma quantidade grande de algo causa intoxicação, uma pequena quantidade também é proibida” (princípio, de resto, errado; o arsênico, por exemplo, em pequenas quantidades, pode ser remédio).
Por que isso? Orlando Silva, o comunista sem multidões, acompanhou Dilma Rousseff a Bruxelas. Enquanto ela dava lições de economia aos países ricos - fica até parecendo que os emergentes estão numa situação melhor porque descobriram seu próprio jeito de fazer a coisa… -, ele se encontrava com a Fifa - que é, não se esqueçam jamais, uma entidade privada. A federação está inconformada com algumas leis vigentes no Brasil e quer que elas sejam mudadas para a realização do torneio.
Em várias cidades, é proibida a venda de bebidas alcoólica nos estádios. Pode-se achar a lei ridícula, mas não cabe à Fifa dizer se ela serve ou não. Quando escolheu o Brasil para sediar o torneio, deveria saber qual é o arcabouço jurídico vigente aqui. Também vigora a meia entrada para estudantes e idosos. Eu sou contra essa estrovenga, se querem saber. Isso só serviu para alimentar a indústria das carteirinhas da UNE - hoje os pelegos não precisam mais da graninha porque o governo enche seus cofres. Mas e daí? Será a federação de futebol a declarar que ela não serve?
Qual seria a reação normal de um ministro sério de um governo sério de um país sério? Dizer um “não” inequívoco. Ou o Brasil abriga o torneio com as leis que tem, ou, por outra, a Fifa passa a ser uma entidade supranacional e… neocolonial, que sai por aí impondo a sua vontade. Mais: Silva poderia ter explicado ainda que, no Brasil, não basta um governante meter o porrete na mesa para mudar a lei. Por aqui, há Poder Legislativo, há Poder Judiciário, há Ministério Público, essas coisas…
O ministro prometeu, bom menino, fazer esforços para tornar compatível a legislação brasileira com as exigências da entidade, expressando a sua confiança de que tudo sairá a contento. Disse que o governo pode enviar ao Congresso mudanças na Lei da Copa para compatibilizar as exigências da entidade, do país, dos estados e dos municípios. Lembrou que seria difícil cassar a meia-entrada do idoso porque é lei federal; jogou a batata quente dos estudantes no colo dos estados e disse que a proibição do álcool vale para campeonatos da CBF - uma das entidades que compõem a… Fifa! Vai ver a Copa do Mundo muda o caráter do álcool…
Reitero: sou contra essa patacoada de meia-estrada para estudantes e idosos. Já o álcool em estádios deveria ser mesmo severamente proibido. E ponto! Acho até desnecessário elencar as razões. Fanatismo de torcida não combina nem com água benta. Mas quem tem de decidir essas coisas é o Brasil. É ridículo que um ministro de estado seja assediado por esse tipo de conversa. Uma coisa é a Fifa exigir tais e quais condições de infra-estrutura; outra, diversa, é querer alterar a legislação dos países que não guardam qualquer relação direta com o bom andamento do evento. Por isso perguntei sobre o álcool no Catar. Limitar o consumo de álcool em razão da religião oficial de um país é mais nobre e mais aceitável do que fazê-lo para diminuir as chances de desordem pública?
Junto com a Copa do Mundo, parece que importamos também um conjunto de exceções legais. Para construir as obras, é preciso jogar no lixo a Lei de Licitações; para realizar o evento, é preciso mudar outras disposições vigentes. Pensando bem, é tudo compatível com a metafísica influente do país em que um presidente da República mudou a legislação só para permitir a compra de uma empresa de telefonia por outra - operação financiada com dinheiro público, decisão tomada antes mesmo da “legalização” ad hoc…
No auge da política antiterror dos EUA, o então ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Lafer, tirou os sapatos para passar pelo detector de metais nos EUA. Ele e muitos diplomatas de outros países. Lula transformou aquilo num símbolo de campanha em 2002. Seria o sinal definitivo da nossa submissão aos potentados estrangeiros. Orlando Silva, lamento, tira agora bem mais do que o sapato. E não se trata, exatamente, de uma guerra ao terror… A Fifa está preocupada com a sua grana. E ponto.
Ninguém vai reclamar. Alguns baluartes da consciência jurídica do país estão empenhados em causas mais nobres: defender a sua corporação, votar moções de “persona non grata” para atingir adversários ideológicos… Já alguns oposicionistas se dedicam a sabotar aliados de partido… Não fui tomado de nenhum surto nacionalista, não! Não fiz de Policarpo Quaresma o meu herói. Mas que país é este cujos governantes permitem que suas leis sejam questionadas por uma federação de futebol, enquanto os nativos são obrigados a se haver, como demonstrou reportagem recente da VEJA, com a imbecilidade legiferante que esá à volta?
Nenhum comentário:
Postar um comentário